CULTURA E IDEOLOGIA (RELAÇÃO)

Definição:

A relação entre cultura e ideologia depende do ponto de vista adotado e das concepções formuladas a respeito de cada uma dessas noções. Se por cultura se entende o sistema de símbolos que organiza todas as formas de expressão humanas, a ideologia aparece como uma expressão característica da cultura ocidental – seja como uma forma de “dominação pelo convencimento” (MARX; ENGELS, 1998), seja como uma reflexão crítica do Ocidente sobre as suas formas de organização social. Por outro lado, se a cultura é definida como o conjunto de fatos artísticos, religiosos e técnicos de uma dada sociedade ou comunidade humana, então ela se impõe ora como um instrumento a serviço da ideologia, ora como uma espécie de válvula de escape em relação às manifestações estéticas dominantes (contracultura, cultura popular). Finalmente, cultura e ideologia podem se confundir quando definidas como um conjunto de discursos, ideias, valores e representações que uma dada sociedade ou grupo faz de si mesma.



 

História/Comentário: a história dos usos do termo cultura se confunde com os de civilização. Ambos os termos começam a se impor no período que antecede a Revolução Francesa e estão ligados a construção dos Estados-Nação europeus. Nesse sentido, importa lembrar que o termo cultura deriva da palavra alemã Kultur, que está ligada a fatos intelectuais, artísticos e religiosos e costuma fazer referência a comportamentos significativos, isto é, ao valor que uma pessoa, grupo ou sociedade tem em virtude de suas realizações. Nesse sentido, a cultura é expressão de um “caráter”, uma forma de atestar determinadas virtudes. Já a noção de civilização (civilisation, em francês) está relacionada ao desenvolvimento de tecnologias, do conhecimento científico, dos costumes e das ideias morais. A civilização é algo que está em movimento constante, que “vai para frente” (ELIAS, 1994, p. 24). Isso explica por que a cultura costuma ser pensada em termos de “raízes”, de “essência”, enquanto que a civilização se impõe muitas vezes como sinônimo de evolução e progresso. Como propõe Adam Kuper: “Cultura sempre é definida em oposição a algo mais. Trata-se da forma local autêntica de ser diferente que resiste à sua inimiga implacável, uma civilização material globalizante. Ou o domínio do espírito armado contra o materialismo. Ou a capacidade que o ser humano tem de crescer espiritualmente e que sobrepuja sua natureza animal” (KUPER, 2002, p. 36). Já o termo ideologia aparece durante o século XVIII como expressão das ciências positivas, designando o estudo das ideias, de sua natureza, de sua origem e de suas leis. O objetivo dos “ideólogos” (entre eles, Destutt de Tracy) era o de combater o obscurantismo através de uma análise científica do pensamento. Em meados do século XIX, Karl Marx se apropria do termo ideologia e lhe atribui um caráter político. Em A ideologia Alemã, obra escrita conjuntamente com Friedrich Engels, a ideologia aparece como uma forma de dominação imposta pela burguesia ao proletariado que se distingue da dominação pelo uso da força (característica das monarquias absolutistas). Nesse sentido, a ideologia aparece como um “véu” cobrindo a realidade – a dominação de uma classe sobre as outras a partir das relações de produção e da divisão entre trabalho e capital. Mais recentemente, notadamente a partir dos anos 1960, o termo ideologia passou a identificar o conjunto de convenções humanas, históricas e culturais que asseguram a reprodução social de um dado grupo ou sociedade. Uma vez neutralizada em termos de luta política entre grupos dominados e classe dominante, a ideologia acaba por se confundir com a noção de cultura enquanto conjunto de discursos, ideias, valores e representações que uma dada sociedade elabora de si mesma. Porém, vale lembrar que a cultura é mais facilmente percebida como uma construção social, humana, particular e histórica, enquanto que a noção de ideologia costuma ser associada à ideia de naturalização da ordem social.



 

Autoria:
Lucas Graeff

Referências

ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1994
KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. São Paulo: Ed. da USC, 2002.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

 

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