ABUSOS DA MEMÓRIA

Definição: entendem-se por abusos da memória utilizações impróprias ou exageradas da memória. São maus usos que provocam prejuízos, danos e remorsos sociais.


Histórico: Todorov marcou essa noção a partir de Les abus de la mémoire. Inicialmente trabalha a memória possível. Esta possível pode gerar surpresas. Entre elas, aparecem os abusos. Na relação entre memória e verdade, reflete sobre prática empregada pelo nazismo; mentira repetida vira verdade. Faz-se memória. É um caso de abuso. Consequentemente, perde-se a noção de verdade da memória. Na atualidade, “o consumo cada vez mais rápido da informação” (p. 14) nos afasta da tradição, ou seja, da memória, e nos embrutece “pelas exigências duma sociedade do ócio” (p. 14). Assim, a memória fica ameaçada. No estudo das formas de observação da memória, distingue a de “recuperação” da de “utilização” (p. 17). A de recuperação faz recuperação memorial; a de utilização reemprega a memória como exemplo, que evitaria abusos. Na relação entre tradição e modernidade, em que modernidade vale por atualidade, lê-se: “as sociedades ocidentais contemporâneas [...] [são] as únicas [...] que não se servem do passado como meio [...] de legitimação” (p. 19). Diferentemente das ágrafas, que se baseiam na tradição, as atuais trabalham com “modelo de contrato”, em que a maioria decide (p. 19-20). Surgem aí as noções de memória descontínua, da ciência, e memória contínua, a da arte. Entre os bons usos da memória, aponta o da psicanálise. Tangencia a noção de consciência da memória. Segundo T., a memória não é só responsável por nossos sentimentos e convicções. Para distinguir os bons usos dos abusos, devem-se observar resultados e avaliar atos que tenham sido fundados na memória, p. ex., entre paz e guerra. O “uso literal” da memória provoca “[...] submissão do presente ao passado. O uso exemplar [...] permite utilizar o passado [...]” (p. 32). T. reprova a forma como alguns fatos são mantidos na memória pública, considerados singulares. “[...] o que é singular não nos ensina nada [...] [nem] [...] poderá ser utilizado como exemplo [...]” (p. 37). Ressalta a exemplaridade de figuras que se levantaram contra “[...] injustiças atuais [...]” (p. 42). O culto da memória pode desencadear privilégios sociais por descendentes de grupos sacrificados socialmente. Finalmente, é abuso inaceitável a prática de crimes por países que os apontam em outros e simultaneamente os praticam.

Comentário: cabe incluir a participação dos românticos na revalorização da memória, antes da psicanálise. O caso das Madres de la Plaza de Mayo parece exemplar, porque não é único, mas marcante. Conseguiram êxito com a prisão de implicados e mantêm o grupo em ação. A história tem sido parcial com relação à memória dos ameríndios, que precisa ter bom uso.

Autoria: Cicero Galeno Lopes

 

 

Referência

TODOROV, Tzvetan. Los abusos de la memoria. Trad. por Miguel Salazar. Barcelona: Paidós, 2000. Título original: Les abus de la mémoire. Paris: Arléa, 1995. (A tradução das citações ao português é do autor deste verbete.)


Bibliografia

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. por Alain François et al. Campinas: Unicamp, 2007.

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