LEIS MEMORIAIS

Definição: são dispositivos legais formulados no sentido, de não apenas reconhecer uma situação de sofrimento vivida por certas parcelas da população em determinados momentos históricos, mas restabelecer a lembrança dos acontecimentos e procurar responsabilizar o Estado por este estado de coisas na atualidade exigindo a sua reparação.


Histórico: a discussão sobre “leis memoriais” teve início nos anos 80 do século XX, na Alemanha, Bélgica e Canadá, com a criação de normas legais que criminalizavam o chamado “revisionismo” do Holocausto. Nesse contexto se enquadram as leis francesas Gayssot, sobre o genocídio armênio, Taubira, sobre a escravatura, Mekachera, sobre o colonialismo, e iniciativas similares noutros países, inclusive no Brasil. Apesar de inicialmente pouco criticadas, essas imposições legais têm, na atualidade, gerado inúmeros artigos de historiadores, políticos, jornalistas e intelectuais. Tal debate se alimenta de duas correntes importantes de pensamento: a primeira empunhando a expressão dever de memória, cunhada ao longo dos anos 90 do século passado, afirmando que o Estado e a Sociedade têm obrigações, perante as barbaridades cometidas, de não deixar esquecer o dano e promover a sua reparação. De outro lado, os intelectuais clamam pelo direito ao esquecimento pelas vítimas de tais atrocidades, afirmando que dados históricos buscados literalmente, sem contextualização, acabam servindo apenas aos interesses políticos atuais. No Brasil a Lei n°. 6683, de agosto de 1979, conhecida como Lei da Anistia, pode ser incluída entre as leis memoriais que propõem o esquecimento de um determinado conjunto de acontecimentos históricos em nome de uma suposta pacificação nacional. Em dezembro de 1995, foi sancionada a Lei de n°. 9140 que reconhece responsabilidade estatal por mortes e desaparecimentos políticos entre o período de setembro de 1962 e agosto de 1979, possibilitando uma indenização às famílias das vítimas dos crimes. Essas leis, brasileiras citadas e outras subsequentes, demonstram a necessidade de tratar a memória como um dever de estado, incluso nas normas jurídicas existentes. Visam a dar uma resposta às demandas formuladas por amplos segmentos sociais organizados que esperam não a reparação dos danos, mas manter viva a lembrança de fatos que não podem se repetir jamais em um regime democrático. Outro marco nessa acepção é o reconhecimento das áreas de quilombos pela constituição de 1988, a obrigatoriedade do ensino de elementos da cultura africana e a instituição do Dia Nacional de Consciência Negra no calendário escolar, na Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB) em 1996.

Comentários: tema complexo e com muitos matizes não pode se restringir a extremos como dever e obrigação. Incorpora aspectos como manipulação, ideologias em choques contínuos e posições teóricas distintas opinando sobre um mesmo tema. Cabe ao tempo e à História a superação desse debate.

Autoria: Hirã Soares Justo

 

Referências

HEYMANN, Luciana. O”devoir de mémoire” na França contemporânea: entre a memória, história,legislação e direitos. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006.

RIVAS, Pierre. Leis Memoriais – excessos da memória. In: BERND, Z. (org.) Memória e cultura: perspectivas transdisciplinares. Canoas: Unilasalle, 2009, p. 55-65

RICOEUR, Paul. O esquecimento de recordação: usos e abusos. In: RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. por Alain François et al. Campinas: Unicamp, 2007.

Todorov, Tzvetan. Los abusos de la memoria. Trad (do francês) por Miguel Salazar. Barcelona: Buenos Aires: Paidós, 2000.

 

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