MEMÓRIA E TEMPO

Definição: Toda reflexão acerca da memória traz em seu eixo central a questão temporal: passado e presente. Antes de tudo, porém, é importante pensar nas bases conceituais da memória. A mitologia grega conta que no princípio surgiu Gaia (a Terra), que gerou para si um consorte, Urano (o Céu). Juntos produziram numerosa descendência, destacando Mnemósine. A palavra grega prende-se ao verbo mimnéskein, que significa “lembrar-se de”. A titânida Mnemósine, assim, vem a configurar no universo mitológico grego a própria personificação da Memória.  Mnemósine representava a divindade que concedia aos poetas e oradores a capacidade de lembrar do passado e transmiti-lo aos mortais, conforme define Rosário (2000, p. 1).

Já no campo científico global a memória, é descrita por J. Le Goff… ”como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas” (2003, p. 419). No ponto de vista apontado por Le Goff…”o estudo da memória abarca a psicologia, a psicofisiologia, a neurofisiologia, a biologia e, quanto às perturbações da memória a amnésia é a principal”. Destaca ainda que: “no interior de cada uma destas ciências, podem evocar, de forma metafórica ou concreta, traços e problemas da memória histórica e da memória social” (2003, p.419).

Assim concluindo, a memória é um fenômeno individual e psicológico que se liga também à vida social. É objeto de atenção do Estado no que diz respeito à conservação dos acontecimentos através da produção de documentos/monumentos, acúmulo de objetos e registros históricos. A apresentação da memória estará ligada ao ambiente social e político: refere-se aos registros que reportam e documentam o passado, configurando, desta forma, a apropriação do tempo.

Comentários: Ao apresentar a obra de Todorov, Os abusos da memória, Le Goff afirma que a memória se ocupa em preservar o passado para que ele seja útil ao presente e ao futuro. E é exatamente neste patamar de temporalidade que se apóia o presente comentário (2000, p. 9). Ao pensar em memória e tempo é importante refletir sobre os efeitos da “reconstrução” da memória. Há que se pensar que muitas sociedades se utilizam das “informações” do passado como uma forma crítica de analisar e utilizar fatos ocorridos. Em alguns casos, conforme aborda Todorov (2000, p. 14), pode-se dizer que a memória poderia estar ameaçada, não pela falta de informações, mas sim pelo excesso:

Hoy en dia se oye a menudo criticar a las democracias liberales de Europa occidental o de Norteamérica, reprochando su contribuición al deterioro de la memória, al reinado del olvido. Arrojados a un consumo cada vez mas rápido de información, nos inclinaríamos a prescindir de ésta de manera no menos acelerada; separados de nuestras tradiciones, embrutecidos por las exigencias de una sociedad del ócio y desprovidos de curiosidad espiritual así como de familiaridad com las grandes obras del passado, estaríamos condenados a festejar alegremente el olvido y a contentarnos com los vanos placeres del instante. En tal caso, la memoria estaria amenazada, ya no por La supreción de información sino por su sobreabundancia (2000, p. 14).

Há que se refletir sobre a afirmação de Todorov de que a memória não se opõe ao esquecimento. O que ocorre é uma seleção, feita a partir do estabelecimento de critérios. E é com base nesses critérios que os fatos selecionados poderão, ou não ser utilizados no presente. Porém não se pode deixar de levar em consideração o que Ricoeur chamou de dever de memória (2007, p. 460) e Todorov de dever de recordar (2000, p. 17), testemunhar: quando a memória envolve fatos ou acontecimentos de natureza trágica ou excepcional. Muitos fatos históricos que envolveram batalhas bárbaras podem hoje ser recuperados graças à manutenção através da memória.

É importante destacar que não há um acorrentamento dos cidadãos ou sociedades ao pensar na recuperação do passado. Ao contrário, fatos recuperados do passado servirão como balizamento para o presente e para o que está por vir, cabendo a cada um, a partir do direito de escolha e decisão, definir sua trajetória.

Autoria:
Margarete Ross Pereira Pacheco

Referências

LE GOFF, Jacques. Memória. Trad. por Irene Ferreira; Bernardo Leitão; Susana F. Borges. 2 v . IN . História e memória. Campinas: Unicamp, 2003. p. 419-476.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. por Alain François. Campinas: Unicamp, 2007. p. 450-462.

TODOROV, Tzvetan. Los abusos de La memória. Trad. (do francês) por Miguel Salazar. Barcelona, Buenos Aires: Paidós, 2000. 60 p.

ROSÁRIO, Cláudia Cerqueira do. O ligar mítico da memória. (Art. – PDF). Morpheus, -Revista Eletrônica em Ciências Humanas número 01 Rio de Janeiro: UNIRIO, 2000. http://www.unirio.br/morpheusonline/numero01-2000/claudiarosario

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