LITERATURA DE TESTEMUNHO

Definição: Os discursos sobre testemunho caracterizam-se de acordo com os eventos que os estruturam. Na Alemanha, o trabalho de memória discute questões da Segunda Guerra Mundial e da Shoah, enquanto na América Latina as referências são as experiências da ditadura, da exploração econômica e da repressão às minorias.

A noção de literatura de testemunho é bastante empregada nos estudos literários latino-americanos, nos quais o conceito de testimonio reflete sobre a função testemunhal da literatura para conceituar um novo gênero literário, a literatura de testimonio. Nesse sentido, a ‘política da memória’ faz a convergência entre política e literatura, para representar os esforços revolucionários dos oprimidos. No caso da Shoah, o evento torna-se o centro da análise da teoria do testemunho, ao partir da idéia de catástrofe e da representação catastrófica da memória. “O testemunho deve ser compreendido tanto no sentido jurídico e de testemunho histórico – ao qual o testimonio tradicionalmente se remete nos estudos literários – como também no sentido de “sobreviver”, de ter-se passado por um evento-limite, radical, passagem esse que também foi um ‘atravessar’ a ‘morte’, que problematiza a relação entre a linguagem e o real” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p.8).

De outra forma, fala-se do teor testemunhal da literatura, de forma geral, que se explicita nas obras nascidas de ou que têm por tema eventos-limite. “Nesse sentido, a literatura do século XX – era das catástrofes e genocídios – ilumina retrospectivamente a história da literatura, destacando esse elemento testemunhal das obras” (Idem, Ibidem).

Histórico: Segundo Seligmann-Silva (2003), Freud define a experiência traumática como aquela que não pode ser totalmente assimilada enquanto ocorre.  O testemunho de eventos traumáticos seria a narração não só de fatos violentos, como acidentes ou batalhas, mas da própria resistência à compreensão destes. “A linguagem tenta cercar e dar limites àquilo que não foi submetido a uma forma no ato de sua recepção” (p.48). Disso se destaca a repetição constante, alucinatória, do traumatizado ao narrar a cena violenta, de onde a história do trauma se constitui pela história de um choque violento e também do desencontro com o real, através da incapacidade de simbolizar o choque. Anteriormente ao Holocausto, Walter Benjamin faz a análise do presente e do progresso como catástrofes, através da idéia de que a realidade como um todo é traumática; posteriormente, para Theodor Adorno, a análise da ‘era da catástrofe’ passa pela ruptura causada  pelo desastre da Segunda Guerra, especialmente pela Shoah, e causa profundas transformações na história da razão, da arte, da cultura e do pensamento. Ao tomar como base a literatura de testemunho latino-americana, tal como ela era pensada até os anos 1980, esta contava com um único sentido de testemunho, sem problematizar as possibilidades e os limites da representação.

De acordo com Seligmann-Silva (2003), o oposto ocorre com as formas de abordagem da literatura de testemunho da Shoah: nelas o sentido de ‘real’ não se reduz, mas se amplia. “Pensar sobre a literatura de testemunho implica repensar a nossa visão da história – do fato histórico” (p.24). Exemplos da literatura de testemunho, sobretudo baseados na experiência nos campos de concentração nazistas, encontram-se nas narrativas de Robert Antelme (1917 -1990), na escrita testemunhal de Primo Levi (1919-1987) e na poesia do pós-guerra de Paul Celan (1920-1970).

Comentário: A Literatura de testemunho, como conceito, afirma-se a partir da Segunda Guerra Mundial e vem rearticular a relação entre literatura e “realidade” ao deslocar o sentido do “real” para uma zona na qual testemunha-se algo que exige relato pelo seu caráter extraordinário. Não é, porém, um relato jornalístico, com fins de reportagem, mas uma narração marcada pela singularidade do “real”.

Autoria:

Luciana Éboli

 

Referências

SELIGMAN-SILVA, Márcio (org.). História, memória, literatura: o testemunho na era das catástrofes. Campinas:UNICAMP, 2003.

__________________. O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São Paulo: Editora 34, 2005.

NESTROVSKI, A. & SELIGMAN-SILVA, Márcio (orgs.). Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 200o.

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