MEMÓRIA INVOLUNTÁRIA

Definição: para definir memória involuntária ou inconsciente é necessário conceber primeiro o que vem a ser a memória consciente ou voluntária, à qual comumente nos referimos, uma vez que pertence ao campo de nossa consciência e encontra-se, até certo ponto, sob o comando de nossa vontade. Lembramos do que desejamos lembrar e, salvo o esquecimento que eventualmente se oponha ao nosso desejo de recordar, controlamos nossas lembranças, dispondo delas à vontade. Diferentemente disso, sem que tenhamos qualquer domínio sobre o processo, ocorre muitas vezes sermos surpreendidos pela invasão de uma lembrança, por vezes muito nítida e muito precisa, evocada por uma sensação qualquer, que pode ser um cheiro, um sabor, um ruído, uma sensação táctil ou a visão inesperada de uma paisagem ou objeto, algo que afete nossos sentidos e, por essa via, desperte nossa sensibilidade.


Histórico: em Walter Benjamim podemos encontrar diversas referências à memória inconsciente ou involuntária, a partir da análise que esse autor procedeu da obra de Marcel Proust, que recorre frequentemente à estratégia literária da sugestão, uma vez que o campo da inconsciência, essa zona sombria de nossas recordações, está mais perto do esquecimento e não se deixa organizar segundo tempo e lugar, resultando de sensações individuais que encontram correspondências no eu, a partir de experiências vividas, evocadas a partir de pistas, verdadeiros vestígios armazenados no inconsciente. É o que constatamos em Proust, na obra Em busca do tempo perdido (2004), quando ele se refere aos constastes entre o que é lembrado e o que é esquecido, e ainda da paradoxal referência à memória que habita fora de nós:

Ora, as recordações de amor não fazem exceção às leis gerais da memória, elas próprias regidas pelas leis mais gerais do hábito. Como este enfraquece tudo, o que nos recorda melhor uma criatura é justamente o que tínhamos esquecido, porque era insignificante e assim lhe havíamos deixado toda sua força. Porque a melhor parte de nossa memória está fora de nós, numa brisa chuvosa, num cheiro de quarto fechado, ou no odor de uma primeira labareda, em toda parte encontramos de nós mesmos o que nossa inteligência rejeitara, por julgá-lo a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando todas as nossas lágrimas parecem ter secado, sabe nos fazer chorar ainda.

Comentário: em que pese tratar-se de uma experiência de caráter individual, sempre que um artista recorre a esse gênero de estratégia para descrever ou salientar uma emoção, levará seu leitor a compartilhar a vivência resultante desse tipo de lembrança, através do próprio fluxo da narrativa, como bem acentua Maria Luíza Berwanger da Silva:

Em Proust, o jogo constante da memória voluntária, esta que pontua e contextualiza o fluxo narrativo deste romance nos salões da Belle-Époque, com a memória involuntária, aquela que irrompe na página, surpreendendo ao próprio narrador, uma e outra configuram a página prousteana pelo ritmo de um total e irrestrito desassossego.

Pode-se dizer assim que a memória involuntária também pode ser socialmente compartilhada, muito embora isso dependa de uma estratégia predominantemente artística.

Autoria: Maristela Bleggi Tomasini

 

Referências

BERWANGER DA SILVA, Maria Luíza. Proust revisitado. In: BERND, Z.; WEBER SANTOS, N. (orgs.) Bens culturais: temas contemporâneos. Porto Alegre: Movimento/Unilasalle, 2011. (No prelo.)

PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido, Parte II, À sombra das moças em flor, trad. Fernando Py, ISBN 857110770X, 2004. Disponível em <http://pt.scribd.com/doc/7233252/Marcel-Proust-Em-Busca-Do-Tempo-Perdido>. Acesso em: 26 jun. 2011.

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