MEMÓRIA COLETIVA

Definição: por memória coletiva, entende-se as interações possíveis entre as políticas da memória – a memória histórica e social sendo concebida como uma relação de forças que resulta em definições e redefinições do que é considerado como passado e heranças comuns de um dado grupo ou classe social – e as lembranças de fatos vividos em comum ou individualmente. Nesse sentido, a memória coletiva se situa no encontro entre o individual e o coletivo, entre o psíquico e o social.


Histórico: a noção de memória coletiva foi proposta originalmente por Maurice Halbwachs no livro Les cadres sociaux de la memóire, publicado em 1925 pela editora Félix Aucan.  A sociologia da memória foi para Halbwachs um “cavalo de batalha político e epistemológico” contra Bergson (NAMER, 1997, p. 239, tradução nossa). Com efeito, um dos pontos de partida teóricos de Halbwachs se encontra na utilização que ele faz contra Bergson do livro de Samuel Butler Life and habit, traduzido para o francês em 1922. Halbwachs percebeu que a teoria da dupla memória (memória-hábito e memória-lembrança) já era desenvolvida por Butler nessa obra. Halbwachs escreverá contra essa teoria, notadamente contra a ideia de lembranças se associando espontaneamente por imagens, dizendo que as lembranças se encadeiam não por associacionismo, mas por cruzamentos de “correntes de memórias” que escapam ao espontaneísmo da consciência. A tese central da obra póstuma de Halbwachs, A memória coletiva, consiste em afirmar que é impossível conceber o problema da evocação e da lembrança sem considerar os quadros sociais como pontos de referência para a memória. Os quadros sociais são “instrumentos utilizados pela memória coletiva para reconstruir uma imagem do passado, a qual está de acordo, em cada época, com a mentalidade predominante da sociedade” (HALBWACHS, 1992, p. 40, tradução nossa.). A lembrança e a evocação são como pontos de referência móveis, que permitem ao indivíduo de se situar em meio ao fluxo contínuo dos acontecimentos, mas igualmente em meio às múltiplas correntes da memória coletiva.

Comentário: Segundo Halbwachs, “não basta reconstituir a imagem de um evento passado peça por peça a fim de se obter uma lembrança. É necessário que essa reconstrução opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram no nosso espírito tanto quanto no espírito dos outros, pois tais dados e noções passam incessantemente de um para os outros e reciprocamente, o que não é possível que à condição que todos participem de uma mesma sociedade” (1997, p. 63, tradução nossa). Psicologicamente, a proposição segundo a qual a atividade mnemônica depende de quadros sociais implica na necessidade de um grupo, de um código simbólico ou de um passado em comum para que o processo de recordação e de evocação de lembranças se realize. Nesse sentido, o indivíduo nunca encontra-se sozinho em suas lembranças. Sociologicamente, isso significa que todo depoimento individual permite localizar os grupos de referência desse indivíduo – ou, como diria Halbwachs, cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva.

Autoria: Lucas Graeff

 

Referências

BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

BUTLER, Samuel. Life and habit. Londres, Kessinger Publishing, 2004.

HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris, PUF, 1952.

______. La mémoire collective. Édition critique établie par Gérard Namer. Paris, Albin Michel, 1997.

NAMER, Gérard. “Postface”. In: HALBWACHS, Maurice. La memóire collective. Édition critique établie par Gérard Namer. Paris, Albin Michel, 1997, pp. 239-295.

 

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