TRANSCRIAÇÃO

Definição:

Dentro da História Oral, transcrição é uma das três etapas (transcrição, textualização e transcriação) da confecção do documento escrito. É uma das etapas que constituem o processo pós-entrevista, através das quais se confecciona os documentos dessa pesquisa. A transcrição, a textualização e a transcriação constituem os procedimentos metodológicos para que o relato oral se transforme em documento histórico. Transcriação é a recriação do texto em sua plenitude (MEIHY, 1996).



 

Histórico: na transcriação é feita uma espécie de “edição” da entrevista, arrumando-a e incorporando registros importantes para a mesma, como um choro ou riso. A entrevista final, finalizada a transcriação e após ser conferida e autorizada para uso pelo entrevistado, é considerada o documento da pesquisa, a partir do qual são feitas as análises e reflexões de todo o trabalho. Após a transcrição literal, é realizada a primeira textualização, em que as perguntas são incorporadas à fala do depoente e cada parágrafo é “transcriado” para ficar mais compreensível – esse trabalho também pode ser realizado junto com a escuta da fita. Ficam em suspenso as passagens mais obscuras, incompletas ou incompreendidas, que serão esclarecidas nos processos posteriores. A transcriação surge da necessidade de se reformular a transcrição literal para torná-la compreensível à leitura. Na transcrição literal há inúmeras frases repetidas, enquanto outras são cortadas pelo entrevistando ou pela qualidade da gravação; há muitas palavras e expressões utilizadas incorretamente, devido à própria dinâmica da fala, da conversa informal – que é o que tentamos fazer das entrevistas. Há estrangeirismos, gírias, palavras chulas, ou seja, termos que são bastante distintos quando falados ou escritos.

Comentário: o grande conceito de Meihy (1991) é de fundamental importância para a metodologia em História Oral, é o conceito de transcriação. Esse conceito proporciona captar pelo pesquisador a atmosfera da entrevista realizada com o narrador. Transcriar é proporcionar uma leitura prazerosa, agradável; é um ‘retirar aresta’ que trava um texto. É tornar um texto com o rosto do narrador, e da maneira que ele gostaria que nós o entendêssemos. Meihy (1991) estabelece, ainda, diferenças entre a transcriação, a textualização e a transcrição literal das narrativas orais. Apontando para a dificuldade em se transformar o oral em escrito, sublinham a transcriação como importante escolha na pesquisa com História Oral. Tendo-se em mente que o código oral e o escrito têm valores diferentes, procura-se corrigir essa desigualdade através da transcriação. Processa-se então uma intensa atividade sobre o texto e a gravação, na qual palavras, frases e parágrafos serão retirados, alterados ou acrescentados, permitindo que o não literalmente dito seja dito. Esse processo está ligado à criação do “teatro de linguagem”, que é a passagem para o texto da comunicação não-verbal: a emoção insinuada através de uma careta, de um sorriso, ou de uma lágrima. Trabalho árduo, verdadeira lapidação da fala, que não poupa a consciência do historiador de dilemas éticos perante cada alteração, adição ou corte. O trabalho de textualização das entrevistas, uma “alteração” da transcrição literal, levanta problemas teóricos que devem ser considerados. Os oralistas que adotam essa postura frequentemente são acusados de “ficcionistas”, pois considera-se ainda em muitos espaços que a textualização pertence ao ramo da literatura, por ser um “embelezamento” da transcrição literal que tira seu caráter de “verdade”. Assim, cabe aqui retomar as tendências mais novas da Antropologia, da crítica textual e do fazer histórico, considerando que a poética – e a política – são inerentes a qualquer produção de análise cultural, e que a ciência está “dentro”, e não “acima”, dos processos históricos e linguísticos (CLIFFORD, 1986, p. 2).



 

Autoria:
Ana Lígia Trindade

Referências

CLIFFORD, J. Introduction: Partial Truths. In: CLIFFORS, J; MARCUS, G. Writing Culture. Los Angeles: University of California Press, 1986.

GATTAZ, A.C. Lapidando a fala bruta: a textualização em História Oral. In: MEIHY, J.C.S.B. (org.). (Re)definindo a História Oral no Brasil. São Paulo, Xamã, 1996. p. 135-40.

MEIHY, J.C.S.B. Canto de morte Kaiowá. São Paulo: Loyola, 1991.

MEIHY, J.C.S.B. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996.

THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

 

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