MITO

Definição:

Gérard Bouchard verifica que a maior parte dos autores consideram o mito, uma quimera, uma fabulação, uma derrapagem da razão e até mesmo uma falsificação perniciosa, o que faz com que o mito adquira má reputação. De fato, continua G. Bouchard, “o mito pode ser tudo isso, mas sua essência não se reduz a isso. Em geral, defino o mito como uma representação ou um sistema de representações dadas como verdadeiras, cuja propriedade é a de imputar uma significação de maneira durável. A representação  efetivada pelo mito possui a particularidade de ser pioneira; ela está na origem de outras representações. Nesse sentido, pode ser considerada fundadora. […] Tudo isto se conjuga  ao fato de que o mito, segundo  minha perspectiva, deve ser avaliado não na relação com a verdade (a conformidade com o real), mas na relação com a ‘eficacidade’ (a capacidade de superar as contradições)” (Bouchard, Apud Bernd, 2007, p. 18). Para Roland Barthes, o mito é uma fala (linguagem): em seu clássico Mitologias, estuda o mito como um clichê, como parte de um amplo sistema semiológico. Já Pierre Brunel, partindo da definição de Mircea Eliade segundo a qual “o mito conta uma história sagrada, narra um fato importante ocorrido no tempo primordial, no tempo fabuloso dos começos”, confere ao mito três funções básicas:  contar, explicar e revelar. O mito conta porque tende a organizar-se em narrativa; explica como alguma coisa foi produzida ou se originou; revela o ser e revela Deus, podendo ser apresentado como uma história sagrada (BRUNEL, prefácio).



 

Histórico: os mitos, como expressão da memória coletiva, vêm sendo criados, transmitidos oralmente ou por escrito, e consumidos desde a mais remota antiguidade, pois partilhar os mitos de uma tribo é condição de pertença a esse grupo e requisito fundamental para a construção identitária. Fala-se hoje na necessidade, no âmbito das Ciências Humanas,  de evitar a oposição binária  Mito x Razão, sendo importante reconciliá-los: “reabilitar o mito como mola propulsora do pensamento” (BOUCHARD,  2003, p. 117). No Dicionário de figuras e mitos literários das Américas, procurou-se mostrar a migração de mitos de um continente a outro e os processos de modificação de significação que sofrem nas travessias de um continente a outro. É importante ainda notar que alguns autores assinalam o sentido específico de «mito literário »: quando um modelo literário serve de paradigma para hipertextos seguintes, como por exemplo Édipo, de Sófocles,  ou Don Juan, de Tirso de Molina,  que serão retomados em diferentes literaturas através de diferentes épocas e línguas.

Comentário: o mito deve ser considerado como um fato social, no sentido de E. Durkheim, sendo portanto um fenômeno coletivo. Alguns autores assinalam também o importante papel de mediação que pode adquirir o mito em diferentes estados de sociedade, sendo portanto muito eficazes quando há situação de contradição, oferecendo a possibilidade de uma terceira via. Ancorando-se nos imaginários coletivos, os mitos passam por diferentes fases após  seu surgimento: a sacralização e a institucionalização, podendo atravessar os séculos, mas também desaparecer sendo substituídos por outros.



 

Autoria:
Zilá Bernd

 

Referências

BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo : DIFEL, 1982.

BOUCHARD, Gérard. APUD BERND, Z., org. Dicionário de figuras e mitos literários das Américas. Porto Alegre: Tomo editorial e Editora da universidade (UFRGS), 2007.

______.  Raison et contradiction ; le mythe au secours de la pensée. Quebec: Nota Bene, 2003.

______. Le mythe: essai de définition. In Bouchard, G. et Andrès, B. (éds.) Mythes et sociétes des Amériques. Montréal: Québec/Amérique, 2007.

BRUNEL, Pierre (org.). Prefácio. In ______.  Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio/Editora da UNB, 1997.

 

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