FUNES, O MEMORIOSO

Apresentação:

Ivan Izquierdo, em A arte de esquecer, analisa o conto de Borges, Funes, o memorioso (1942), centrado na figura de um jovem chamado Funes, que não esquece nada e que se vê, em virtude dessa poderosíssima memória, impossibilitado de pensar. Logo, para pensar é necessário poder esquecer, para assim poder generalizar. Consideramos que esse conto contém toda uma teoria da memória elaborada pelo genial escritor argentino, J. L. Borges, que, em outro conto, A memória de Shakespeare, irá retomar e expandir suas teorias sobre a memória, tema essencial para a literatura. I. Izquierdo conclui que a arte de esquecer é fundamental para nossa sobrevivência, colocando a seguinte questão: Por que esquecemos tanto? Por que existem tantas formas de esquecimento, tais como bloqueio, extinção e repressão? Esquecemos para poder pensar, para não enlouquecer e para poder conviver e sobreviver.



 

Histórico: o conto Funes, o memorioso inicia pela palavra “recordo” que é repetida, na página 99, cinco vezes, remetendo à importância do ato de “recordar” para a ficção. A figura da reiteração corresponde à intenção do autor de chamar a atenção de seus leitores para a etimologia do verbo “recordar” que, segundo ele, se “trata de um verbo sagrado”, pois etimologicamente corresponde a “passar novamente pelo coração”.  O conto narra a história do personagem que vive na cidade uruguaia de Fray Bentos. Após uma queda de cavalo, Irineo Funes lembra de cada mínimo detalhe de todas as coisas que conheceu, e adquiriu a incrível capacidade de aprender línguas e saber de cor tudo o que consta nos dicionários. Foi por isto cognominado de “o memorioso”. O personagem recita de cor a citação em latim do livro Naturalis Historia, de Plínio, cujo capítulo XXIV, livro sétimo, versa sobre a memória: ut nihil non iisdem verbis redderetur auditum (de forma que nada do que foi ouvido pode ser dito outra vez com as mesmas palavras). Ao se terminar a leitura do conto fica a pergunta: Por que lembrar a totalidade das coisas é uma atrocidade? Por que sem o esquecimento – armazenando a totalidade das coisas – não é possível realizar a síntese? “Suspeito que (Funes) não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo entulhado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos” (2007, p. 108).

Comentário: em a Arte de esquecer, Ivan Izquierdo, lembra o conto de Borges (2007, p. 95-97) para dar um exemplo extremo (só existente na ficção) da importância de esquecer: “A arte de esquecer ou a arte de não saturar os mecanismos da memória, mais uma vez se apresenta a nós como algo inato, algo que nos beneficia de maneira anônima, pois nos impede de naufragar em meio às próprias recordações” (IZQUIERDO, 2007).  Poderíamos fazer uma aproximação deste texto de Borges com o acúmulo de informações na internet, podendo-se relacionar o excesso de informações da internet com uma frase de Funes: “Minha memória senhor é um monte de lixo”. Estaríamos padecendo, na contemporaneidade, do mal de Funes?



 

Autoria:
Zilá Bernd

Referências

BORGES, J. Luis. Funes, o memorioso. p. 99-108. In Ficções. Cia das letras, 2007. (Trad. Davi Arrigucci Jr.).

______.  A memória de Shakespeare In A memória de Shakespeare. Vega, 2001. p. 47-56.

IZQUIERDO, Ivan. A arte de esquecer. Porto Alegre: Artmed, 2007.

 

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