ETNOGRAFIA DA DURAÇÃO

Definição:

Expressão cunhada por Eckert e Rocha (2000) voltada aos estudos sobre memória coletiva na área da Antropologia. Diz respeito, mais especificamente, ao trabalho do(a) antropólogo(a) que interpreta as rupturas e descontinuidades reveladas nos atos de relembrar nas narrativas de habitantes sobre as experiências vividas nas cidades e/ou grandes metrópoles. A etnografia da duração tem como pano de fundo os territórios da vida urbana das modernas sociedades complexas que se caracterizam pela descontinuidade de universos simbólicos, fragmentação de papéis sociais, heterogeneidade de ethos e visões de mundo. Em outras palavras, o fenômeno da duração (trabalho da imaginação criadora humana que deseja objetivar o tempo) nas sociedades complexas se estrutura em um paradoxo que se traduz na “luta de seus habitantes contra o tempo, por meio do qual eles destemporalizam o tempo” (ECKERT; ROCHA, 2009, p. 42), cujo “ato de relembrar sugere uma relação reflexiva com a trajetória histórica dos sujeitos e do coletivo dos quais emergem” (ECKERT; ROCHA, 2009, p. 62). Essa dinâmica é reconhecida a partir das narrativas dos sujeitos sobre as suas experiências cotidianas e expressa a sobreposição dos tempos imaginados a partir de um fragmento por eles vivido. Por fim, a etnografia da duração traz como proposta pensar os estudos sobre memória coletiva como parte dos estudos sobre o imaginário de forma a permitir ao(à) antropólogo(a)  reconfigurar as imagens figuradas e desfiguradas da cultura humana, estetizadas pelos sistemas de valores ocidentais (objetivismo, materialismo, positivismo, cientificismo das explicações deterministas) que ainda margeiam o trabalho etnográfico voltado ao estudo da memória coletiva de habitantes das grandes cidades ou metrópoles.



 

Histórico: a etnografia da duração é resultado de um trabalho extenso desenvolvido pelas autoras no Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV/UFRGS) que tem como temática as narrativas etnográficas dispostas em diversas mídias oriundas da comunidade urbana de Porto Alegre. Os fundamentos epistemológicos dos estudos da memória coletiva seguem a tese da duração de Gaston Bachelard (1988) e de seus discípulos Gilbert Durand e Pierre Sansot que desenvolveram estudos sobre “as diferentes formas da mais-valia psicológica do tempo sobre o espaço e do espaço sobre o tempo” (ECKERT; ROCHA, 2009, p. 48). O termo “etnografia da duração” foi cunhado pelas autoras originalmente em 2000 e sua concepção tem sido desenvolvida em outras obras desde então.

Comentário: a etnografia da duração surge como um recurso metodológico para os estudos da memória nas sociedades moderno-contemporâneas, diante da necessidade de aprofundar novas formas de entendimento das estruturas espaçotemporais em processo de transformação provocado, por exemplo, pela aproximação dos mundos virtuais. Visa, neste sentido, propor o tratamento da memória como conhecimento de si e do mundo, a partir do trabalho de recordar narrado pelos sujeitos, tendo como princípio que a recordação não se concebe pela repetição, mas pela ação reflexiva de construção dos seus passados. Dessa forma, a etnografia da duração propõe apreender nas narrativas dos sujeitos a obra de recordar, enquanto uma intenção presente que surge da associação de ideias, e que nessa obra estão presentes as estruturas espaçotemporais por meio das quais a memória se configura como construção de um ato de duração.



 

Autoria:
Maria Cristina França

Referências

ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. Imagens do tempo nos meandros da memória: por uma etnografia da duração. In: Koury, Mauro G. P. (org.). Imagem e Memória: Estudos em Antropologia Visual. Rio de Janeiro, Garamond, 2000. p. 19-39.

______. Etnografia da duração: estudos de memória coletiva. In: LOPES, C.G.; ADOLFO, L.G.; FRANÇA, M.C.; BRISOLARA, V.; BERND, Z. (org.). Memória e cultura; perspectivas transdisciplinares. Canoas: Salles/Unilasalle, 2009, p.39-68.

 

Bibliografia

ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. O tempo e a cidade. Coleção Academia II. Porto Alegre: Ed. da UFRGS. 2005.

 

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